domingo, 3 de março de 2013

A falta de lubrificante como metáfora

A nossa miséria é a matemática. Trata-se de um fardo nacional. Diria que compreendo: talvez por decorrência própria da propriedade de ser ‘nacional’ (o JPC diria indígena; eu não) também desconfio dessas artes numéricas. Contar cansa-me a vista e calcular gasta-me a alma. Consome-me, em certo jeito. No entanto, malgré tout, uma matematicazinha pontual, discreta e educada faz falta. Principalmente quando, parafraseando o que diria, se falasse, o espírito do tempo, isto anda mau. 
Acontece que ontem, dia dois de Março do ano da graça de dois mil e treze, durante a tarde, se manifestaram um pouco por todo o país pessoas que, descontentes com os desenvolvimentos da nossa contingência, se associaram a uma coisa chamada «Que se lixe a Troika – O Povo é quem mais ordena». Eram muitas, as pessoas. E tal não deve surpreender. Pondo de parte eventuais registos mais sarcásticos, a miséria é matéria de facto. No entanto, sendo a miséria factual, acaba vendo-se sozinha na condição. Tudo o resto, de parte a parte, com mais ou menos talento, acaba sendo ficcional. Ou talvez, quem sabe, mero reflexo da restrição velha: a falta de jeito para calcular. 
Anunciar que houve em Portugal um milhão e meio de pessoas a manifestar-se ontem é jogo. Principalmente quando, para fundamentar o gordo cardinal se diz que houve 800 mil pessoas em Lisboa. Estamos habituados. De um lado subavalia-se, no outro sobreavalia-se. É a vida e assim. Mas no meio destas tentativas mais ou menos conseguidas de simples manipulação, a essência perde-se e os movimentos desonram-se. A manifestação de ontem valeu por si, pelas pessoas que efectivamente nela participaram. Valeu pela senhora que, a certa altura, disse em directo que lhe estavam a ir ao cu a seco, numa declamação de qualidade superior. Isto, mais que tudo, devia ser ouvido pelos organizadores do movimento. Ninguém precisa de repeteco.

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